domingo, dezembro 07, 2008

Via Pública: tempo de verde para peões


Existe alguma norma destinada a proteger os peões que atravessam a rua mais devagar?


Nas passagens de peões com semáforo, sim.

As normas técnicas do DL 163/2006 referem, no seu n.º 1.6.4:

«Caso as passagens de peões estejam dotadas de dispositivos semafóricos de controlo da circulação, devem satisfazer as seguintes condições:

1) (…)
2) O sinal verde de travessia de peões deve estar aberto o tempo suficiente para permitir a travessia, a uma velocidade de 0,4m/s, de toda a largura da via ou até ao separador central, quando ele exista;
3) (…).»


Detalhes importantes

Os “dispositivos semafóricos de controlo da circulação” são vulgarmente designados semáforos.

O espaço de tempo que esta norma define refere-se ao verde puro, i.e., não inclui o tempo de varrimento (tempo durante o qual o sinal está vermelho tanto para veículos como para peões).

A “largura da via” tomada como referência para o cálculo do tempo de verde é a largura da via no local do atravessamento. Se no local da passadeira houver um estreitamento da via (medida de acalmia de tráfego, ver fig. 1), a distância a ter em conta é a distância atravessada pela passadeira, e não a largura da via.


Fig. 1 - Estreitamento da passadeira

Assim, através deste tipo de estreitamento (designado em inglês por bottleneck, curb extension, curb bulb ou choker) é possível reduzir o tempo de verde para peões e, ao mesmo tempo, aumentar a segurança rodoviária (nota: estes estreitamentos devem ser efectuados de acordo com normas próprias).

Uma velocidade de 0,4m/s implica que por cada 40cm de distância que o peão tiver de percorrer sobre a passadeira (i.e., fora do passeio), o semáforo deve dar-lhe 1 segundo de verde.

Note-se que esta norma deve ser cumprida independentemente do tipo de via (principal, distribuidora ou não) ou do volume de tráfego. Essas características podem condicionar outras exigências (sinal sonoro, etc.), mas não esta. Basta haver um semáforo.


Aplicação prática

Se dividirmos a distância total do atravessamento (em metros) por 0,40m, obtemos (em segundos) o tempo de verde para peões.

Para mais facilmente efectuar os cálculos, podemos em alternativa multiplicar a distância total por 2,5 (dá o mesmo resultado).

Para verificar se a norma está a ser cumprida devemos então:

1. Calcular (em metros) a distância vencida pela passadeira (usando uma fita métrica ou caminhando com uma passada larga, de 1m).

2. Dividir essa medida por 0,4 (ou multiplicar por 2,5).

3. O resultado desse cálculo dá-nos (em segundos) o tempo de verde que o semáforo deve dar aos peões.

4. Cronometrar o tempo de verde que o semáforo de facto dá.

5. Comparar com o resultado do cálculo efectuado.


Impacto no tráfego

É frequente encontrar, pelo País, situações de incumprimento desta norma.

Também é frequente ouvir que o cumprimento desta norma prejudicaria a fluidez do tráfego (desconheço qualquer estudo publicado sobre esse impacto).

Como é óbvio, a cidade não pode deixar de pensar na circulação rodoviária. O que também não pode é sujeitar os peões às necessidades dos veículos. Tem de se conseguir um equilíbrio entre ambos. E esta é uma medida de equilíbrio.

O que é um facto, e está profusamente estudado, é que uma parte crescente da população atravessa a rua com uma velocidade reduzida (idosos, por exemplo), e alguns não conseguem, sequer, “alcançar” a velocidade prevista nas normas. Não pode, por isso, falar-se numa exigência “exagerada” que beneficie poucos.

Para cumprir com esta exigência, poder-se-á manter o ciclo (reduzindo o tempo de passagem para os carros) ou aumentá-lo (o que implicará maior tempo de espera para o peão).

Caso se opte pelo aumento do ciclo, deve ser tido o cuidado de não tornar a espera muito longa para os peões, pelo risco que implica de alguns deles tentarem atravessar sem verde.


Responsabilidade civil

É igualmente um facto que esta exigência consta da lei, e assim sendo, o seu incumprimento constituirá uma ilicitude, que expõe as entidades públicas (nomeadamente as autarquias) à responsabilidade civil extracontratual, nos termos do Código Civil:

«Artigo 483.º

Aquele que (…) violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

(…)

Artigo 486.º

As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando (…) havia, por força da lei (…) o dever de praticar o acto omitido.»

Neste âmbito, deve ser tido em conta que, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas), o exercício do direito de regresso passou a ser obrigatório.

Por outras palavras, se a entidade pública for condenada a pagar uma indemnização a terceiros devido a falha de um dos seus técnicos ou agentes, nos termos desta Lei ficam os responsáveis dessa entidade obrigados a exercer o direito de regresso, i.e., a exigir desse técnico que pague à entidade um valor equivalente ao que esta despendeu na indemnização.

Em suma, não se deve contemporizar com o incumprimento desta norma: está em causa a segurança física de peões e automobilistas, e a responsabilidade civil de autarquias e respectivos técnicos.


Visualização do tempo disponível

Indicar aos peões e aos automobilistas quanto tempo falta para a mudança de sinal pode ser uma boa ideia.


Fig. 2 – Dublin, Irlanda.

Segundo o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Viseu, onde este equipamento está a ser instalado, “verificamos que, no atravessamento, as pessoas têm outra postura. O peão quando verifica que falta um ou dois segundos para que o verde se extinga e passe a vermelho já não atravessa.”

Por seu turno, "o automobilista engrena a primeira velocidade quando faltam dois segundos para aparecer o verde", podendo até esse momento descansar os pés. "Não há necessidade de fazer arranques bruscos, de ter o pé na embraiagem e o carro numa rotação superior, consumindo mais combustível e produzindo mais CO2 e outros gases nocivos", acrescentou o autarca, frisando que esta demonstrou ser uma solução em que todos ganham.

(ver aqui, exemplo de Viseu).

PHG
7DEZ08


Créditos:
Foto no topo: © 2002, Luís Rocha
Fig. 1: “FHWA Course on Bicycle and Pedestrian Transportation”, Federal Highway Administration
Fig. 2: © 2008, Pedro Homem de Gouveia
Notícia Viseu: Jornal Público, citado pelo
http://cidadanialx.blogspot.com/

Agradecimentos: M.A.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Rampas: ressalto admissível?

Pode haver um ressalto de 2cm entre a plataforma horizontal da rampa e o seu plano inclinado?


Nos termos do n.º 2.5.5, a plataforma horizontal de descanso exigida no topo e na base de cada lanço de rampa deve considerar-se como parte integrante da rampa.

Qualquer desnível que exista entre o plano inclinado e qualquer uma das plataformas horizontais de descanso deve, por isso, ser contabilizado na altura vencida pela rampa (cf. n.ºs 2.5.1 e 2.5.2).

E sendo assim, uma vez que a inclinação da rampa é calculada com base na altura total vencida pela rampa, não é possível “poupar espaço de rampa” vencendo parte dessa altura com ressaltos verticais.

Omitir a existência desse ressalto nas peças desenhadas pode induzir em erro a entidade licenciadora, pelo que se deve apresentar sempre um corte longitudinal da rampa (pelo menos no plano de acessibilidades), e não apenas menção das cotas altimétricas.

Deve recordar-se, ainda, que este é um ponto em que pode perfeitamente aplicar-se o disposto no n.º 4.8.1: “as mudanças de nível abruptas devem ser evitadas”.


Para além das normas, o bom senso…

A existência de um ressalto de 2cm no início ou no final de um lanço de rampa tornaria essa rampa muito pouco funcional e, pior, propícia a quedas. Não é, sem dúvida, uma boa prática, e como vimos acima não permite poupar espaço.

Desaconselhável a todos os títulos, portanto, podendo até ser considerar-se como prática contrária ao disposto no artigo 15.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), onde se refere que “todas as edificações (…) deverão ser construídas com perfeita observância das melhores normas da arte de construir e com todos os requisitos necessários para que lhes fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança (…) mais adequadas à sua utilização (…)”.


PHG
2DEZ08

Caixas Multibanco na Via Pública

Uma caixa Multibanco aberta para a via pública tem de cumprir as normas do DL 163/2006?


Sim.

O DL 163/2006 abrange as caixas Multibanco. No seu artigo 2.º (âmbito de aplicação), n.º 2, alínea h), refere os “bancos e respectivas caixas Multibanco”.


No exterior também?

Note-se que não é feita, no âmbito de aplicação, nenhuma distinção entre as caixas Multibanco operáveis a partir do interior do edifício, ou do seu exterior. Deve presumir-se, por isso, que ambas estão abrangidas.

O facto de a secção 2.11 (onde se estabelecem as exigências relativas aos equipamentos de auto-atendimento) estar integrada no capítulo 2 (edifícios e estabelecimentos em geral) não torna estas normas menos aplicáveis a uma caixa Multibanco operável a partir da via pública.

Basta notar que estes equipamentos estão instalados em edifícios, e que as normas não distinguem entre equipamentos operáveis a partir do interior ou do exterior do edifício.


Só nos bancos?

A dúvida seguinte é suscitada pelo uso da expressão “bancos e respectivas caixas”.

Deve depreender-se que só as caixas localizadas em agências bancárias é que estão abrangidas, ou pelo contrário devem considerar-se abrangidas todas as caixas, independentemente da sua localização?

Por exemplo, as caixas Multibanco existentes nas instalações de uma companhia de seguros, também devem ser acessíveis?

Nada indica que o legislador pretendesse limitar aos bancos essa obrigação. Deve referir-se, a este propósito, o disposto na Lei n.º 46/2006, que classifica como práticas discriminatórias “a recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens e serviços” e “o impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica” (cf. artigo 4.º, alíneas a) e b) da referida lei).

A expressão “bancos e respectivas caixas” pode (e deve), nesses termos, ser entendida num sentido mais abrangente, i.e., como integrando os bancos e os equipamentos através dos quais os seus serviços são prestados, independentemente de estes se encontrarem instalados no espaço físico da agência bancária ou noutros espaços físicos.

Deve entender-se, por isso, que não são apenas as caixas localizadas em agências bancárias que estão abrangidas, mas todas as caixas Multibanco instaladas em edifícios.


Que normas se aplicam?

As caixas Multibanco são consideradas equipamentos de auto-atendimento”. As exigências aplicáveis constam da Secção 2.11 das normas técnicas do DL 163/2006.

Nos termos do n.º 2.11.1, “nos locais em que forem previstos equipamentos de auto-atendimento, pelo menos um equipamento para cada tipo de serviço” deve cumprir essas exigências.

Por outras palavras, nos locais onde houver mais de uma caixa Multibanco, o exigível é que pelo menos uma cumpra as normas.

Nenhuma dessas normas, note-se, é incompatível com a abertura da caixa Multibanco para a via pública.

Exige-se, por exemplo, que o equipamento esteja localizado junto a um percurso acessível (cf. alínea 1) do n.º 2.11.1), mas este pode, naturalmente, coincidir com a via pública.

E o mesmo se pode dizer sobre a zona de permanência (cf. alínea 2) do n.º 2.11.1).

Se num determinado edifício houver, na mesma zona, duas ou mais caixas Multibanco, e se estas estiverem distribuídas pelo interior e pelo exterior, a exigência aplica-se ao conjunto dos equipamentos disponíveis, e pode optar-se por assegurar a acessibilidade a qualquer um deles.

Se porventura o equipamento acessível se localizar no interior, deve assegurar-se que ele pode ser alcançado a partir da via pública por um percurso acessível, e deve atender-se ao cumprimento das normas aplicáveis à soleira, à porta (largura útil, zona de manobra, puxador) e a todas as partes operáveis (por exemplo, a ranhura para passar o cartão e aceder ao interior deve estar dentro da zona de alcance). E não se pode sujeitar a sua utilização a um regime horário diferente dos restantes equipamentos localizados na mesma zona.


PHG
3DEZ08

Rampas: porta no topo?


Pode colocar-se uma porta no topo de um lanço de rampa?


Não.

Uma porta integrada no percurso acessível não pode nem deve localizar-se junto a um lanço de rampa sem qualquer plano horizontal de permeio.

Nos termos do n.º 4.9.6, uma porta deve possuir de ambos os lados uma zona de manobra “de nível”.

Não é aceitável, por isso, que o piso adjacente a um dos lados da porta seja inclinado. Terá sempre de haver, pelo menos, uma plataforma de nível com a dimensão mínima da zona de manobra da porta.

Esta exigência aplica-se tanto às portas de batente como às portas de correr; e tanto às portas automáticas como às restantes.

Acresce a esta exigência, mas agora relativamente à rampa, o disposto no n.º 2.5.6:

«As plataformas horizontais de descanso [da rampa] devem (…) ter um comprimento não inferior a 1,5m.»

Deve depreender-se que este comprimento é livre, i.e., sem obstruções (porque de outra forma se torna a plataforma inútil).

Assim sendo, mesmo que a zona de manobra da porta possa ter uma profundidade de apenas 1,10m, ela na verdade coincidirá com a plataforma horizontal de descanso da rampa, que não pode ser interrompida.


Para além das normas, o bom senso…

É fácil perceber porque é que uma porta que não possua um piso de nível em ambos os lados, na zona imediatamente adjacente, é um “convite à queda”.

Da mesma forma deve ser tido em conta que a utilização de uma rampa já levanta, só por si, suficientes dificuldades, mesmo que a inclinação esteja dentro dos máximos permitidos. A localização de uma porta junto ao plano inclinado levantaria dificuldades adicionais (uma pessoa numa cadeira de rodas, por exemplo, teria de, em simultâneo, fazer força para manter a cadeira no mesmo local e para abrir a porta, tendo de manter o equilíbrio num plano inclinado…).


PHG
3DEZ08

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Âmbito: salas de aula para dança?


Um espaço destinado a aulas de dança tem de ser acessível?


Sim.

Vejamos primeiro o que diz a lei, e depois o que "faz sentido" (ou não) sentido exigir.

Nos termos do Decreto-Lei n.º 163/2006, o espaço em causa está abrangido se estiver integrado nalguma das seguintes situações:

...num edifício público (cf. artigo 2.º, n.º 1);

...num estabelecimento de educação pré-escolar ou de ensino básico, secundário ou superior, ou num centro de formação, tomando-se a expressão "formação" no seu sentido mais amplo (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea e);

...num teatro ou noutras instalações destinadas a actividades recreativas e sócio-culturais (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea m);

...em instalações desportivas, por exemplo ginásios e clubes de saúde (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea o);

...num estabelecimento comercial com superfície de acesso ao público superior a 150m2 (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea q).


Discriminação

Por sua vez, nos termos da Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, nem a deficiência nem a falta de acessibilidade podem servir de base(ou pretexto) para impedir a inscrição e ou a frequência de aulas de dança nesse espaço, uma vez que isso se enquadraria no disposto no artigo 4.º:

«Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que em razão da deficiência violem o princípio da igualdade, designadamente:

a) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens e serviços;
(...)
e) A recusa ou limitação de acesso ao meio edificado ou a locais públicos ou abertos ao público;
(...)
h) A recusa ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados (...).»


Que normas se aplicam?

Deverá assegurar-se a existência de um percurso acessível, nos termos do n.º 2.1.1, e de pelo menos um espaço de cada tipo acessível, designadamente:

...se houver salas diferentes, pelo menos uma de cada tipo;

...se houver instalações sanitárias, pelo menos uma para cada sexo, ou uma unisexo, incluindo pelo menos um aparelho de cada tipo dos que existem nas restantes (lavatório, sanita, base de duche, etc.);

...se houver vestiário, pelo menos um (se houver divisão por sexos, um para cada sexo).


...E faz sentido?

"Moralismos" à parte, temos de ter em conta que o "sentido" que algo "faz" ou não para cada um de nós resulta, apenas, da nossa experiência pessoal.

É por isso que o "fazer sentido" (ou deixar de o fazer) não constitui um critério para abertura de excepções à aplicação da lei e ao cumprimento das suas normas.

As pessoas que (por exemplo) usam cadeira de rodas também podem dançar?

Podem. Basta ler o Expresso (29.11.2008):

«Chama-se Elsa Freitas, tem 19 anos, e já fez história em Portugal. É a primeira pessoa com deficiência motora a entrar no Conservatório de Dança da Madeira. E ela dança mesmo, como se pode ver no vídeo do Expresso que acompanha um dia de aulas práticas.»

O vídeo pode ser visto aqui: http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/464477


PHG
1.DEZ.08
Dedicado aos formandos do CRPG (25Nov08)